20 novembro 2006

O jogo das caricas

Este texto é para o Abel, esteja ele onde estiver, e para o Júnior que o vai “entender” melhor que ninguém.
Quando eu era miúdo os brinquedos eram muito menos sofisticados do que são hoje. Um carro eléctrico era ainda um luxo e o ActionMan, que tinha acabado de aparecer, tinha um preço proibitivo.
Naquele tempo entretínhamo-nos com objectos correntes e os brinquedos eram muitas vezes feitos na hora. Um dos mais marcantes da minha infância era um jogo de futebol, antepassado do Subbuteo, “fabricado” com caricas. O meu foi feito pelo Abel, supostamente um dos criados lá de casa como se dizia naquela época, que passava mais tempo a brincar comigo do que a trabalhar, o que lhe conferia um estatuto de privilégio.
Primeiro, precisávamos de juntar muitas caricas, que traziam antigamente no seu interior uma rodela de cortiça. Tentávamos tirar com uma faquinha as rodelas de duas tampas, com cuidado para que ficassem intactas. Juntavam-se, embrulhavam-se em papel branco e colocavam-se dentro de uma única tampa, a que estivesse menos dobrada. Ficava assim “cheia” e mais pesada, o que permitia depois remates mais certeiros. Com a ajuda de canetas de filtro pintavam-se as cores das camisolas dos clubes conhecidos e toda a operação se repetia até completarmos onze “jogadores” para cada equipa. Numa fase posterior, já mais “refinada”, recortávamos nos jornais desportivos as fotografias dos jogadores para as colar nas caricas e pintávamos as suas camisolas com as cores dos clubes respectivos.
O Abel tinha jeito para trabalhos manuais e com madeira, arame e um bocado de mosquiteiro velho que pediu à minha avó, fez duas balizas. Com dois paus de giz, que tirávamos da sala de aula que o meu pai tinha mandado construir para dar explicações, marcávamos o campo no chão do quintal.
Quanto à bola, também obedecia a um processo próprio de fabrico. Descobrimos, depois de experimentar vários tipos de bola, que aquela cujo tamanho e peso se adequava melhor aos nossos jogadores (o futebol já na altura era uma ciência) era a ponta de uma baqueta de xilofone, usualmente em plástico cor-de-rosa. Bastava-nos serrá-la, limá-la um pouco para não ficar com arestas e tínhamos assim o “esférico” ideal.
O Abel e eu tínhamos muitas equipas (Porto, Benfica, Sporting, Braga, CUF, Setúbal, Barreirense, Académica, Belenenses, Olhanense e outras) e aproveitávamos para fazer campeonatos, repetindo os jogos que se tinham disputado no campeonato português “verdadeiro” no fim-de-semana anterior.
Quando vim de Angola trouxe o jogo mas nunca mais lhe peguei porque sem o Abel aquela brincadeira tinha perdido a magia e o encanto.
Entretanto, com as sucessivas mudanças de casa, as caricas desapareceram. Um dia, vou fazer umas novas para ensinar o jogo ao Marcelo e aos meus sobrinhos, embora receie que qualquer jogo de computador lhes pareça mais aliciante.

15 novembro 2006

O dia em que a plateia cantou para mim

Os meus tempos de estudante universitário foram muito mais dedicados ao “academismo” (palavra que aparenta significar uma conduta adequada à condição de estudante mas que na realidade encobre todo o tipo de actividades menos recomendáveis: noitadas, copos, jogatanas e miúdas) do que propriamente ao estudo. Daí que as minhas recordações me levem mais facilmente de volta às digressões e actuações da Tuna do que às peripécias dos exames ou das orais. Hoje Regresso a uma dessas lembranças, o meu aniversário de 1995.
A TAFEP tinha sido convidada para actuar numa festa universitária na Covilhã. A viagem foi como sempre divertida e tive mesmo um momento de inspiração ao lembrar-me de baptizar um pretendente a Tuno com a alcunha “Tomate” porque ele “participava mas nunca entrava”. O desgraçado ia connosco para todo o lado mas nunca o deixavam subir ao palco.
Nesse dia jogava-se em Lisboa um Portugal-Irlanda, que a selecção viria a vencer por 3-0, garantindo assim a qualificação para o Europeu de 1996. Este facto só é importante para se compreender melhor o ambiente de euforia que se vivia quando entrámos em palco. O nosso Magister tinha-me dado a prenda de ser o apresentador do espectáculo. Entrei em palco com um chapéu da selecção e foi o “fim do mundo”: “POR-TU-GAL, POR-TU-GAL”. Ou seria “PAN-TE-RA, PAN-TE-RA”???
A actuação decorreu de forma espectacular e até aproveitámos para brincar um bocadinho, quando eu fui para a frente simular um solo durante o nosso instrumental???!!!A actuação terminou com um pedido da Tuna à assistência para que todos me cantassem os Parabéns. Foi indescritível e arrepiante: milhares (ou seriam dezenas de milhares?) de pessoas (as SuperBock já eram muitas) a cantar para mim. Foi inesquecível e todos os anos nesta data recordo esse dia.

09 novembro 2006

Mudar

Há fases em que sentimos que o tipo de vida que levamos não nos preenche e que em vez de nos satisfazer apenas nos entretém. Deixamo-nos levar pela rotina como quem marca o ponto e limitamo-nos a esperar que os fins-de-semana nos recompensem pelos dias de trabalho, o que nem sempre acontece. Por muito que tentemos, chegamos ao ponto em que nada nos faz sentir verdadeiramente realizados e a vida começa a ser marcada por uma monotonia aflitiva. A forma de reagir a este estado de coisas permite catalogar as pessoas segundo dois tipos: as que se acomodam e as que tentam fazer alguma coisa para inverter a situação.
Felizmente, apesar da vida não me ter até agora poupado a complicadas provas de resistência, tenho conseguido manter a capacidade de lutar por amanhãs melhores, por muito que isso continue a espantar quem me rodeia. Tenho a impressão que algumas pessoas ao ouvirem-me contar esses sonhos/projectos devem pensar: “lá está ele, o gajo não sossega, sempre a magicar alguma.” Esta minha forma de estar tem o inconveniente de ser uma fonte de permanente insatisfação porque quase não saboreio as conquistas mas é também, sem qualquer dúvida, o meu combustível.
Estou justamente de Regresso a uma fase dessas, em que me apetece mudar, apesar das mudanças me custarem cada vez mais porque com o passar dos anos e à medida que as responsabilidades familiares aumentam, hesito cada vez mais antes de decidir.