11 outubro 2007

A máquina de pano preto

O meu avô Fernando foi sem dúvida uma das pessoas mais marcantes na minha vida e tive a felicidade de o ter durante muitos anos. A nossa relação, apesar de algumas divergências próprias do fosso de gerações, foi sempre muito próxima: em Angola éramos vizinhos e cá vivemos na mesma casa durante cerca de 15 anos.
Uma lembrança que guardo entre as mais felizes da minha infância é os passeios na carrinha Chevrolet de caixa aberta que ele conduzia enquanto motorista da Câmara Municipal de Luanda. O trabalho dele consistia em transportar pessoal e materiais para as obras da Câmara. Lembro-me que na cabina reluzia um banco de três lugares forrado com uma napa escorregadia que me obrigava a segurar-me com força para não deslizar. De cada lado, a caixa de carga tinha bancos corridos de madeira nos quais se sentavam sem qualquer conforto os trabalhadores.
Não sei quando nem porquê mas às vezes o meu avô levava-me com ele e a ocasião era uma autêntica festa, sobretudo quando me deixava fazer a viagem na caixa aberta, no meio dos homens.
Mas por vezes não tinha serviço e ficava no estacionamento em frente ao jardim da Câmara à espera de nova ordem.
Havia nesse jardim um fotógrafo, à moda da época, a quem o meu avô encomendava de vez em quando uma foto minha. Tinha uma tradicional máquina de tripé, forrada com fotos de pessoas desconhecidas em jeito de mostruário, e coberta com um pano preto debaixo do qual se escondia antes de disparar.
Depois, todo o ritual da revelação que consistia em meter e tirar coisas de dentro da máquina: mete latinha, tira latinha, observa o rectângulo de papel, espera, mete latinha, tira latinha e já está! Aqui tem a sua foto, menino!